Fonte: O Estado de São Paulo
Após mais de cinco décadas de constrangimento e provocações dos rivais, estádio corintiano saiu do papel em grande estilo, mas cercado por polêmicas
WAGNER VILARON – O Estado de S.Paulo
SÃO PAULO – Sonho alvinegro e motivo de piada para os rivais. O estádio do Corinthians é tema de intermináveis discussões há mais de 50 anos. Por isso, a quinta-feira, dia 20 de outubro de 2011, entrou para a história do clube. Não apenas pelo fato de ter sido a data em que a Fifa oficializou a futura arena como palco da partida de abertura da Copa do Mundo de 2014. Para muitos corintianos, o significado do anúncio foi bem maior. Representou a garantia de que, finalmente, o sonho da casa própria deixaria o constrangedor universo das maquetes e se transformaria em realidade.
Desconfiado e cético depois de se sentir ludibriado por diversas promessas e anúncios de que o “Fielzão”, o “Corintião”, o “Cooperfiel” – ou qualquer outro nome que tenham atribuído à futura arena alvinegra – seria construído, mas que nunca saíram do papel, o torcedor precisava de um fato concreto para acreditar no “agora vai”. E a certeza veio nas palavras do secretário geral da Fifa, Jérôme Valcke. “A abertura da Copa do Mundo do Brasil será em São Paulo”, anunciou. Foi como se os descrentes pensassem: “ufa! Agora parece que não tem volta. O estádio vai sair mesmo.”
“Foi assim que me senti. Quando jogava, cansei de ver eventos que serviam para anunciar um monte de maquetes”, relembra José Maria Rodrigues Alves, o “Super Zé”, que marcou época na lateral direita do Corinthians e da seleção brasileira durante a década de 70. “Agora com a Copa do Mundo sendo realizada aqui no Brasil, a diretoria soube aproveitar bem esse momento para colocar esse projeto na prática.”
O INÍCIO
Motivos não faltavam para que a nação corintiana reagisse com incredulidade. Afinal, desde 1953, quando a construção do estádio foi mencionada pela primeira vez – na época, os diretores estavam incomodados com o início das obras do Morumbi e publicaram na revista “Corinthians” a intenção de seguir no mesmo caminho do Tricolor – registrou-se uma sequência de infortúnios que serviria apenas para alimentar o arsenal de piadas e chacotas dos rivais.
O primeiro deles ocorreu em 1968. O então presidente Wadih Helu anunciou o projeto de ampliação e cobertura do estádio Alfredo Schürig, a Fazendinha, construída aos poucos em um terrenos comprado em 1926. A ideia era ampliá-la para 133.500 lugares. Durante os primeiros meses um sentimento de otimismo tomou conta dos diretores. Porém, não demorou muito para que se deparassem com um choque de realidade: de onde viria o dinheiro para bancar a obra?
A resposta veio no ano seguinte. Helu anunciou a criação do carnê “Corinthião”. O funcionamento era muito simples. O torcedor comprava o carnê, pagava prestações mensais e concorria ao sorteio de prêmios. O dinheiro arrecadado seria utilizado para erguer a arena. Não demorou muito para que a diretoria percebesse que o custo-benefício da proposta era negativo. Além disso, os sonhados investidores nunca apareceram.
OBSESSÃO E HISTÓRIA
O assunto estádio bombou de vez no Parque São Jorge durante a década de 70, com a chegada à presidência de Vicente Matheus. O folclórico presidente transformou a ideia de ter uma casa própria em obsessão de todos dentro do Parque São Jorge.
Em certo momento, a possibilidade de ter o estádio já não era suficiente. Em pleno regime militar, época na qual a grandiosidade de obras era utilizada para impressionar a população, Matheus queria ter o maior de todos. Assim, surgiu o projeto “Coringão”, que previa uma arena para 200 mil espectadores. Foi o início também da alegria dos construtores de maquetes. Várias foram montadas, de todos os tipos e desenhos futuristas, para alegria de palmeirenses, são-paulinos e santistas.
Matheus articulou de todas as formas. Em 1978, chegou a receber no clube a visita do então presidente da República general Ernesto Geisel, que participou da cerimônia na qual a prefeitura transferia ao Corinthians o terreno de Itaquera. Matheus não sabia, mas dava ali um importante passo na história da arena corintiana. É nessa área onde o estádio é construído atualmente. No início da década de 80, a oposição venceu a eleição e o projeto acabou abandonado.
TENTATIVAS E SUCESSO
O assunto só voltou com força a partir de 1993, quando Alberto Dualib assumiu a presidência. As três parcerias feitas em sua administração – Banco Excel, Hicks, Muse, Tate and Furst (HMTF) e Media Sport Investment (MSI) – apresentaram projetos, diga-se, maquetes, para o estádio. Todos naufragaram junto com as respectivos contratos com as empresas.
O sucesso ocorreu em 2010. O presidente Andrés Sanchez teve diante de si um cenário que os outros não tiveram: a realização de uma Copa do Mundo em São Paulo. Com boa articulação política, que envolveu a polêmica concessão de R$ 420 milhões em incentivos fiscais da Prefeitura, Sanchez conseguiu viabilizar o projeto e, para muitos, realizar o sonho da torcida corintiana.
PRÓXIMO PASSO:APRESENTAR-SE PARA O MUNDO
Depois de resolver o problema de ter ‘casa própria’, direção encara outro desafio histórico: a internacionalização da marca Corinthians
SÃO PAULO – Apesar de ainda faltarem dois anos para o estádio de Itaquera ficar pronto (a expectativa de conclusão é final de 2013), a diretoria do Corinthians não faz questão de esperar pela inauguração para considerar o projeto bem-sucedido. Tanto que já determinou o próximo passo, tão importante e esperado quanto a casa própria: a internacionalização da marca, que passa pela eficaz utilização da nova arena. A direção estima que, depois de pronto, o estádio seja responsável por receita de R$ 40 milhões/ano.
É verdade que as eleições estão marcadas para fevereiro e, embora a situação seja favorita, o cenário político no Parque São Jorge tornou-se instável após as recentes e polêmicas manifestações do presidente Andrés Sanchez em relação aos conselheiros do clube – os teria chamado de “câncer”. “Sem dúvida é o próximo passo (a internacionalização). Já temos uma linha de trabalho definida”, afirmou o diretor de marketing, Luiz Paulo Rosenberg.
Uma delas é explorar o potencial turístico do novo estádio. O simples fato de receber a abertura do Mundial, o que é considerado pelos responsáveis pela organização da Copa como o principal momento do evento por causa do fluxo de chefes de estado, autoridades e celebridades, dará projeção sem precedentes à arena de Itaquera. “Imaginem o quanto a marca Corinthians circulará pelo mundo”, afirmou Rosenberg. “O local se transformará em ponto turístico. E criaremos uma estrutura capaz de explorar esse poder de atração.”
O público a ser atingido é sempre o mesmo: a fiel torcida. “É como eu sempre digo: não queremos ter a maior torcida, queremos ter a melhor”, disse o especialista em marketing. “E o que a Fiel precisar de oferta de produtos e conforto, nós vamos oferecer”, diz Rosenberg.
O futebol será o carro-chefe deste projeto. E os corintianos que esperam assistir no local a vários shows musicais, melhor não terem grandes expectativas. Pelo menos no que depender da ideia de Rosenberg. “O estádio do Corinthians será um campo para futebol. Outros tipos de evento serão analisados com muito cuidado”, explicou.
Inspiração catalã. Há três anos, a diretoria corintiana segue uma espécie de cartilha. Trata-se do livro “A bola não entra por acaso”, escrito pelo espanhol Ferran Soriano, que traz no currículo o fato de ter sido um dos mais destacados dirigentes do Barcelona na última década. Entre vários temas, o cartola catalão fala sobre a importância de um estádio próprio para incrementar a receita de um clube e dá dicas quanto à internacionalização da marca.
Os dirigentes corintianos não gostam de falar em seguir recomendações, mas nunca negaram que usam o histórico de ações do Barcelona como referência. Alguns dos cartolas espanhóis já estiveram no Parque São Jorge para trocar ideias e experiências com os brasileiros. “Teve uma época que não via necessidade de ter um estádio. Mas o pessoal do Barcelona me convenceu de que isso é importante para o crescimento de um clube”, afirmou o presidente corintiano, Andrés Sanchez.
PESADELOS TAMBÉM MARCAM A HISTÓRIA
SÃO PAULO – O clima de oba oba diante da confirmação de que o Corinthians terá seu estádio não é unanimidade entre seus torcedores e sócios. Enquanto muitos deles se frustraram ao longo da história com as promessas que nunca se concretizavam, outros sofreram ainda mais e chegaram a ter prejuízo financeiro. É o caso do advogado Reinaldo Rinaldi, que em 1990, encantado com a projeto de ampliação da Fazendinha e do compromisso de que o time de futebol passaria a mandar seus jogos ali, comprou uma cadeira cativa no local.
A expectativa de Rinaldi era a mesma de tantos outros que resolveram fazer o mesmo investimento: curtir com a família e os amigos os jogos do time do coração em um estádio que seria modernizado e os receberia com conforto e segurança. Para tanto, cada torcedor interessado gastou NCz$ 110 mil (cruzeiros novos, a moeda da época). “Era um bom dinheiro. Tenho como referência que daria para comprar um carro popular”, lembrou o advogado.
Talvez o prejuízo de Rinaldi e seus amigos tenha sido até maior. De acordo com o conversor de valores do Banco Central (BC), o montante, atualizado, corresponde a R$ 36 mil. “Compramos em seis vezes de NCz$ 10 mil e, no final, ainda nos cobraram NCz$ 50 mil referentes à taxa de entrega do título de proprietário”, comentou. “Depois de tudo isso, nada aconteceu. O Corinthians nunca mais jogou ali, o estádio não foi ampliado e bem sei se minha cadeira está lá. Sou vítima de estelionato.”
Em fevereiro de 2008, Rinaldi, por meio do endereço eletrônico denominado “Fale com o presidente”, entrou em contato com a diretoria do clube para pedir esclarecimento sobre sua situação. A resposta foi sucinta: “… referente a cadeira cativa, a nova diretoria está pretendendo ativar o estádio para partidas contra adversários de pouca torcida.”
O advogado diz que ainda estuda a possibilidade de recorrer à Justiça. Antes disso, espera que o clube ofereça àqueles que foram lesados facilidades na aquisição de cadeiras e camarotes no novo estádio. “Tenho interesse. Espero que eles (dirigentes) tenham essa sensibilidade”, afirmou.
PRESSÃO
Rinaldi é apenas um entre os descontentes com o comportamento da diretoria corintiana desde o início da construção do estádio de Itaquera. No meio da semana, durante evento que reuniu presidentes de clubes paulistas, o corintiano Andrés Sanchez, irritado com o fato de o Conselho Deliberativo (CD) do clube solicitar documentos e esclarecimento em relação ao acordo para o obra, chamou o órgão de “câncer” e seus integrantes de “velhos”.
A manifestação de Sanchez causou indignação coletiva entre os conselheiros. Na sexta-feira, por meio de nota oficial, o presidente do CD, Carlos Senger, classificou as declarações do presidente da diretoria como “infelizes” e “grosseiras”. E foi além ao dizer que “demonstra um destempero emocional incompatível com o alto cargo que ocupa”.
Outro grupo de conselheiros, entre eles Antonio Roque Citadini e Rubens Gomes da Silva, redigiu manifesto no qual lamentam a arrogância e despreparo do atual presidente corintiano.
Itaquerão – Das promessas à Copa
1968: Corintião 1 – Idealizado pelo presidente Waldih Helu, projeot previa receber 133.500 pessoas. Inaugurou a era das maquetes
1979: Reforma na Fazendinha
1980: Carnê – ‘Corinthião’ visava arrecadar fundos para o novo estádio
1986: Mais uma maquete do projeto do estadio do Corinthians
2008: Filezão III – Nova concepção da Fazendinha. Obra de R$ 350 milhões
2010 – Itaquerão receberá 68 mil pessoas na abertura da Copa de 2014
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