Por Cleber Aguiar – Luto pela afirmação do Irã, país apaixonado por futebol

Fonte: Folha de São Paulo

Técnico do Irã, português reclama que sanções atrapalham o futebol iraniano e explica como a copa pode ajudar o país

carlosqueiroziran_576x324O português Carlos Queiroz, 60, assumiu a seleção iraniana há três anos com a missão de classificá-la para a Copa do Mundo no Brasil.

Cumprida a meta, Queiroz luta agora por outro objetivo: trazer orgulho e dignidade a um país com má fama e cuja qualificação para o Mundial gerou hostilidade –como por parte da Coreia do Sul.

Em entrevista à Folha, em Teerã, Queiroz disse comprar a briga do Irã, mas queixou-se das dificuldades de seu trabalho às vésperas do torneio, no qual enfrentará Argentina, Nigéria e Bósnia-Herzegóvina na fase de grupos.

Ele minimizou tensões pré-Copa no Brasil, dizendo que protestos são saudáveis e que atrasos nas obras não deveriam causar tanta preocupação, já que são comuns em grandes eventos.

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Folha – A federação iraniana reagiu depois que o senhor a criticou por não ter organizado nenhum amistoso de preparação para a Copa?

Carlos Queiroz – É impossível recuperar o jogo ou o treino que não se fez. Por isso impunha-se trazer esse problema à tona. Agora existe ao menos maior determinação para retomarmos o planejado. É a única maneira de termos participação honrosa e digna.

O Irã não tem os jogadores nem a experiência que outros países têm, mas podemos deixar a equipe bem preparada. Só isso pode nos levar a competir com esperança de atingir o único objetivo: a classificação para as oitavas.

É difícil trabalhar no Irã?

O futebol do Irã reflete dificuldades comuns ao resto da sociedade. A situação financeira é crítica. E, no futebol, o dinheiro fala. Se você for capaz de comprar um Neymar por € 90 milhões, fala mais depressa e fala melhor.

Falta de dinheiro prejudica infraestrutura, campos de treino, viagens, salários, planos… Afeta também a qualidade dos jogos de preparação. As melhores seleções cobram caro. Quem não tem recursos para bancar jogos privados fica em casa e não aprende com ninguém. Não são partidas com Tailândia ou Kuait que irão melhorar nosso rendimento.

Ou seja, as sanções sofridas pelo país afetam o futebol?

Sem dúvida. Mas há também um desgaste de imagem. O mundo tem uma apreciação errada do país. É preciso viver aqui para perceber que, no fim das contas, o Irã é um lugar como todos os outros. Pessoas choram, riem, levam filhos à escola, ficam presas no trânsito…

Seres humanos são todos iguais. Isso me inspira, porque vale a pena lutar pela afirmação de um país que está entre os mais apaixonados por futebol. O Irã não tem paixão artificial pelo esporte. Não é preciso promovê-lo, como nos países vizinhos do Irã ou nos Estados Unidos. O futebol está na alma dos iranianos.

A diferença cultural atrapalhou sua adaptação?

Não. Foi tudo muito simples para mim. Sempre achei que a vida é dos que se adaptam mais rápido, não dos mais fortes. Adaptar-se significa sermos capazes de entender a cultura e a identidade das pessoas.

O senhor está preocupado com a tensão no Brasil decorrente da Copa?

Não. É saudável que a sociedade viva alguma efervescência, porque é disso que surgem melhores patamares de vida, conforto e bem-estar.

Já estive em Jogos Olímpicos, campeonatos do mundo, feiras mundiais e posso dizer que essas manifestações fazem parte do pacote.

Mas eu tenho uma certeza em relação ao Brasil: quando a bola começar a rolar, será uma grande festa. Todo mundo vai se beneficiar.

Mas a preparação da Copa tem problemas concretos, obras muito atrasadas, Fifa pressionando…

Isso é comum em eventos desse porte. Na África do Sul, houve greves antes da Copa [de 2010]. Em Portugal, ninguém acreditava que os estádios ficariam prontos antes da Euro [em 2004]. Nos Jogos Olímpicos da China [Pequim-2008], todo mundo se lembra da polêmica acerca das obras.

A gente vai dar um jeitinho e a bola vai rolar. É normal que se faça barulho no período prévio para tirar melhor partido da situação.

Como vê a seleção brasileira?

Pelo que vi na Copa das Confederação, será, sem duvida, fortíssima candidata ao título. Joga bem, com consistência, norma, ordem, entusiasmo. O time conjuga três fatores: a enorme expectativa da nação pela vitória, a expectativa do próprio time e a qualidade dos jogadores. A equipe tem uma mestiçagem muito difícil de conseguir: identidade própria combinada com experiência internacional de todos os jogadores. O Felipão também traz essa bagagem, além de já ter dado uma Copa ao Brasil [2002].

Por que os técnicos brasileiros, salvo exceções, não emplacam na Europa?

A realidade do futebol europeu, sua dimensão, seu treino, sua intensidade de jogo são diferentes. Talvez seja um problema de adaptação à filosofia e ao jogo. Os argentinos se encaixam melhor.

Mas aconteceria o mesmo se treinadores europeus fossem trabalhar no Brasil. Seria muito difícil se adaptar à mentalidade e às nuances do futebol brasileiro. Em compensação, treinadores brasileiros dão certo no resto do mundo. E há casos de técnicos, como Paulo Autuori, que tiveram sucesso em Portugal.

O senhor trabalharia no Brasil?

Sonho há anos em treinar um clube brasileiro. Deve ser fantástico jogar com uma equipe na qual jogadores passam uma bola que sai redonda e chega redonda. Nós, treinadores, às vezes lidamos com situações em que a técnica de base não existe. Fazer uma orquestra tocar bem com pessoas que desafinam e não sabem os acordes básicos da musica é um milagre.

Por que votou no Messi para melhor do mundo, e não no Cristiano Ronaldo?

O voto que assinei representa a opinião coletiva do futebol iraniano, reunindo todos os treinadores do país da primeira divisão, de acordo com os critérios da Fifa. A decisão coletiva foi em favor do Messi, e eu preciso me subscrever a isso. Mas acho justo que os treinadores do mundo tenham premiado Cristiano Ronaldo. Esta é minha opinião pessoal.

Dito isso, é importante explicar algo que o grande público não percebe. O voto dos treinadores é feito com base em imagens e fatos. Se você for para a Tailândia ou África do Sul, as imagens da liga inglesa são muito mais fortes do que as do futebol espanhol. Se você for para o Qatar, que tem relação íntima com o Barcelona, as imagens do Messi são mais frequentes que as do Real Madrid. Estas questões influenciam o voto das pessoas.

Aquilo que é um critério de justiça para quem vê mais o Real Madrid e o Cristiano Ronaldo é um critério de injustiça para quem vê mais o Barcelona e o Messi.

Se pudesse naturalizar iraniano um jogador, quem seria?

O pé esquerdo do Messi e o direito do Cristiano [risos]. Esses jogadores não são humanos. Fazem-se controles antidoping, então deveria haver também controles para saber se os jogadores são humanos. Neymar, Ribéry e Robben também não são humanos.

Entre os humanos, quem realmente quero nacionalizar é o jogador da seleção iraniana. Quero a certeza de que este jogador está consciente da expectativa de 80 milhões de torcedores e da atenção com que o mundo vai olhar a participação do Irã, que não é muito querida nem foi bem recebida por certos países.

ICFUT – Entrevista de Juan zagueiro do Internacional para o ESTADÃO.

Fonte: O Estado de São Paulo

‘Pedir desculpas não adianta’, diz zagueiro Juan sobre o racismo no futebol

Almir Leite – O Estado de S. Paulo

SÃO PAULO – O zagueiro Juan sabe bem o que é ser vítima da intolerância. Em março de 2012, quando jogava na Roma, foi alvo da sanha racista de parte da torcida da Lazio. Na época, ficou indignado com a decisão da Federação Italiana de aplicar uma multa de 20 mil euros à Lazio e encerrar o assunto.

Jogador se solidariza com Tinga, vítima de racismo na última quarta - Divulgação
Divulgação
Jogador se solidariza com Tinga, vítima de racismo na última quarta

Esta semana, Juan, agora no Internacional, reviveu o pesadelo, condoído pelas ofensas de que seu amigo Tinga foi alvo no jogo entre Real Garcilaso e Cruzeiro. “É muito triste. Não pelo jogador, a gente supera. Mas o mesmo cara que faz esse ato dentro de campo faz fora, e contra pessoas que talvez vão sofrer muito”, disse Juan ao Estado na sexta-feira, por telefone.

A exemplo de Tinga, o zagueiro considera que os que mais sofrem quando um jogador é vítima da intolerância são seus familiares. Ele alerta que o racismo existe além dos estádios, e clama por punição pesada para os responsáveis por atos como os ocorridos no Peru. Um dos líderes do Bom Senso FC, Juan entende que o movimento não deve erguer a bandeira contra o racismo, por se tratar de uma questão social.

ESTADO: Como você se sente a cada episódio de racismo?
JUAN:
É muito triste. Não pelo jogador, principalmente nesse caso do Tinga. Aconteceu comigo também. Somos pessoas esclarecidas, do bem, conscientes. A gente supera isso. Mas o mesmo cara que faz esse ato dentro do campo faz fora também, e com pessoas que talvez não tenham a mesma estrutura emocional e psicológica que a nossa e vão sofrer muito.

ESTADO: Você falou em estrutura emocional e psicológica…
JUAN:
Quando falo em estrutura emocional e psicológica é porque a gente sabe que o caso vai repercutir e vai ser sempre condenado, como está acontecendo com o Tinga e como aconteceu comigo. Mas existem muitas formas de racismo na nossa sociedade que as pessoas não têm condições de rebater, não têm a mídia a seu favor.

ESTADO: A sensação deve ser horrível, até porque a pessoa geralmente não sabe que será atacada…
JUAN
: É ruim para todo mundo, independentemente da estrutura que se tem e de a pessoa ser conhecida ou não. Até porque (no caso dos jogadores) você está trabalhando, está no seu direito e está sofrendo o preconceito num lugar em que não deveria acontecer, porque o campo de futebol é o lugar que tem mais mistura de povos, de raça, de classe social. Então é o lugar mais democrático, é o esporte mais democrático que conheço. Todos os tipos de pessoas podem jogar, independentemente de cor, religião, condição social. Quando acontece isso no futebol é chato porque às vezes a pessoa que está te insultando e tão negra quanto você.

ESTADO: Em relação a você, ficou muito marcado o episódio daquele Roma x Lazio. Mas você jogou seis anos na Alemanha, cujo povo muitos consideram intolerante. Aconteceu algo contigo lá?
JUAN:
Na Alemanha nunca tive problema e também não tinha tido na Itália até aquele momento. Claro que eu condenei na época, mas no meu caso, talvez… é um clássico muito sentido na cidade, era um momento que o jogo estava quente e isso talvez tenha influenciado. Acho isso porque era meu último ano e já eu havia jogado vários clássicos contra a Lazio e não tinha acontecido nada.

ESTADO: Mesmo assim, não ameniza…
JUAN:
Não, de jeito nenhum.

ESTADO: Como você se sentiu naquele momento?
JUAN:
Foi uma coisa nova, que nunca tinha acontecido. Mas estava um jogo tão quente, tão quente, que procurei não escutar muito para não perder a concentração. Lembro que tive um gesto de pedir silêncio para a torcida da Lazio. Os próprios jogadores da Lazio vieram falar comigo, para não me importar, porque a torcida deles era assim mesmo. Mas eu estava tão concentrado, tão ligado na partida, que deixei tudo no campo.

ESTADO: E depois, quando você encontrou a família?
JUAN:
Isso, para mim, foi a coisa mais chata. Minha esposa (Monick) e meu filho (João Lucas) estavam no estádio. Graças a Deus ele era menorzinho, não tinha consciência do que estava acontecendo. Nesse ponto eu fiquei mais tranquilo. Mas é chato por seus familiares, seus amigos, por pessoas que gostam de você passarem por isso. Talvez sofram até mais do que você, que está ligado no jogo. Essas pessoas sofrem mais.

ESTADO: Na Europa vocês são discriminados fora do campo, onde ninguém vê?
JUAN:
Comigo nunca aconteceu, mas que acontece, acontece. A gente sabe de histórias (de preconceito). Talvez você seja maltratado até que a pessoa fique sabendo que é jogador. No momento em que te reconhecem, o tratamento é totalmente diverso.

ESTADO: Isso não é até mais revoltante, porque até ser reconhecido a pessoa é tratada como se fosse um marginal?
JUAN:
É uma atitude que simboliza a palavra preconceito.

ESTADO: A Fifa faz campanhas contra o racismo e pede que federações apliquem punições pesadas. Essas campanhas ajudam?
JUAN:
Ajudam, mas se servissem 100% o mundo seria totalmente outro. Isso (o fim do racismo) é muito mais da consciência da população do que da propaganda. Campanha tem, mas ano a ano tem acontecido (casos de racismo). Talvez precise uma medida mais radical, com punições fortes.

ESTADO: O Bom Senso pode atuar também nessa área, em casos que envolvam o futebol brasileiro?
JUAN:
Isso (o racismo contra Tinga) é um problema que ocorreu dentro do esporte, mas como eu falei é um problema social, o que afasta um pouquinho o Bom Senso. Claro que a gente é contra qualquer tipo de preconceito. Mas hoje nossa preocupação é resolver nossas bandeiras, principalmente o fair play financeiro e o calendário. E eu também acho injusto, com o pouco tempo que tem o Bom Senso, jogar tudo na conta do movimento para resolver problemas que existem não só no futebol, mas no País. Hoje a gente não tem condição de levantar essa bandeira. Estamos concentrados em outras questões.

ESTADO: No caso do Tinga, o que você gostaria que acontecesse?
JUAN:
Acho que teria de haver uma punição para a equipe (Real Garcilaso), talvez para o estádio, coisa mais severa. Não adianta só pedir desculpa, porque o que aconteceu ninguém vai poder apagar.

ESTADO: Você conversou com o Tinga?
JUAN:
Não consegui falar com ele, até porque deve estar muito corrido para ele. Mas como falei, é um cara esclarecido, tem uma história muito bonita no futebol, é um vencedor e com certeza vai superar tudo isso.

ESTADO: O que você espera daqui para a frente?
JUAN
: No Brasil e na América do Sul faz tempo que não acontecia isso. Espero que seja a última vez. Que as pessoas aprendam, tirem lição disso e respeitem as outras pessoas, não só dentro como fora de campo.

ICFUT – Para ser o 10 do Palmeiras, é preciso ter o couro duro – Entrevista da Folha com Valdivia

Fonte: Folha de São Paulo

Índice

O chileno, que joga hoje, comenta as cobranças que recebe e critica a diretoria do Corinthians

DIEGO IWATA LIMA DE SÃO PAULO

Alternando jogos e descanso neste ano, Valdivia volta a campo hoje, contra o Audax, às 17h, no Pacaembu.

Com 100% de aproveitamento em seis jogos no Paulista, o Palmeiras talvez nem precisasse dele. Mas o técnico Gilson Kleina quer o meia em campo. E ele quer jogar.

Em entrevista exclusiva à Folha, fala sobre a Copa, tanto sobre o desejo de jogá-la pelo Chile quanto dos problemas de organização.

Também critica a conivência do rival Corinthians com as torcidas organizadas e a violência de um modo geral.

E revela se arrepender de ter jogado muitas vezes sem o tempo adequado de recuperação durante a última gestão Felipão no clube, em 2012.

Folha – Qual a sua expectativa para a Copa?
Valdivia – A ansiedade é grande. Disputá-la aqui seria maravilhoso. Por isso, tenho me preparado muito, para jogar bem pelo Palmeiras e para poder ser convocado.

Você acha que o Brasil está pronto para receber a Copa?
Não, não está. Rivaldo, Romário e muitos jornalistas dizem isso, e eu concordo. Aqui há problemas de segurança, trânsito, aeroportos.
Leio que há centros de treinamentos que não estão prontos, como o da Rússia, em Itu, que há ampliações com lonas em aeroportos. A imagem que vai ficar para os estrangeiros será ruim.
Mas será a melhor Copa de todos os tempos porque o Brasil é o país do futebol, e os melhores jogadores estarão aqui. O povo e os jogadores vão fazer a diferença.

A imprensa chilena diz que o técnico da seleção do país, Jorge Sampaoli, está questionando sua convocação. Como é sua relação com ele?
Ele foi um dos poucos a acreditar que eu ainda tinha como jogar pelo meu país. Para preservar a minha sanidade mental, não leio a imprensa chilena.

Você parece mais leve, mais feliz. Está mesmo?
Estou, mas não que eu fosse infeliz. No passado, havia muita fofoca no Palmeiras. Agora, comissão técnica, diretoria e jogadores não permitem isso. O Gilson Kleina deposita confiança em todos, a responsabilidade é dividida.

Você foi muito cobrado. Acha que foi injusto?
Sim. Quando o Palmeiras não conseguia os resultados positivos, o fato de eu não jogar era mais importante do que os erros dos que estavam em campo. Eu era culpado por derrotas em que não havia atuado. Aqueles que podem mais têm de ser mais cobrados. Mas a cobrança não pode ser sobre um jogador só. Isso mexia comigo.
Passei por cima dos protocolos médicos, voltei a jogar antes do tempo e me machuquei. Fiz isso muitas vezes. Até porque as pessoas me pediam “por favor, me ajude, jogue…”

Na época do Felipão?
Sim.

E por que você jogava?
Acho que faltou autoridade do departamento médico para me vetar. Eu poderia ter sido mais firme. Isso prejudicou minha imagem. Parecia que eu não queria jogar.

Hoje você sente dores?
Sinto. Mas hoje trabalho com um especialista cubano em reabilitação física, o José Amador, que atua também na seleção do Chile.

Como você vê os atos de violência contra jogadores?
Bater esperando mudança do jogador é um erro. Quando torcedores arremessaram uma xícara em mim no aeroporto da Argentina [em março de 2013, após jogo pela Libertadores], disse para a diretoria que queria ir embora. Mas uma parte minha queria ficar e dar a volta por cima.

Participa do Bom Senso F.C.?
Sim. Aos poucos, o movimento vai dar certo. Os jogadores do futuro é que vão se beneficiar. Se os sindicatos fossem mais duros, não precisaria do Bom Senso.

Você apoiaria uma greve?
Depende. Pela violência da torcida do Corinthians, como se comentou recentemente, não. Não adianta nada a gente fazer greve se a diretoria do Corinthians não fizer como o [presidente do Palmeiras] Paulo Nobre, que tem postura firme com as torcidas organizadas.

Olhando para sua carreira, acha que deveria ter saído menos à noite?
Muitos jogadores sempre saíram à noite e se tornaram fenômenos. E existem muitos jogadores crentes que nunca saíram e nunca jogaram bem. Quando mais saí, entre 2006 e 2008, foi quando joguei melhor. Não há regra.

É difícil ser o Valdivia?
Muito difícil. É muita responsabilidade. Para ser o camisa 10 do Palmeiras, que já teve Ademir da Guia e Alex, é preciso estar sempre de cabeça erguida para receber críticas. O couro precisa ser duro. Mas não tem problema. Pode vir que eu aguento. Responsabilidade e caráter há de sobra aqui.

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Por Cleber Aguiar – ‘Ser ídolo me deixa orgulhoso e também assustado’, diz Tite

Fonte: O Estado de São Paulo

Técnico admite que não esperava a reação da torcida na sua despedida e fala do legado que deixa no clube

Vítor Marques – O Estado de S.Paulo

SÃO PAULO – Tite entrou na galeria dos treinadores mais vitoriosos da história do Corinthians. E também no coração da torcida. E ele está um pouco “assustado” com tudo isso. Em entrevista ao Estado, Tite relembra as homenagens que recebeu no último sábado, no Pacaembu, e fala do legado que deixou no clube, após ter conquistado cinco títulos em três anos. Abaixo, leia os principais trechos da entrevista.

Tite admite que sonha em substituir Felipão - Márcio Fernandes/Estadão
Márcio Fernandes/Estadão
Tite admite que sonha em substituir Felipão

ESTADO – 35 mil pessoas gritaram seu nome no Pacaembu. Um técnico de futebol pode ser ídolo?
TITE –
Sim, eu estou envergonhado, talvez não querendo ostentar, mas isso mostrou que daqui a pouco um técnico pode ser idolatrado. E isso me assusta, por dentro me assusta, um atleta, eu concebo. Estou um misto de orgulhoso e assustado…

ESTADO – No minutos finais do jogo de sábado, logo após Emerson perder um gol, a torcida gritou um “Olê, Tite” e o jogo ainda não havia se encerrado. O que você sentiu naquele momento?
TITE –
Eu não chorei porque estava com vergonha, mas por dentro eu estava chorando, eu acenei para o torcedor, mas queria ganhar o jogo, queria terminar com uma vitória.

ESTADO – O Tite, ao lado de Oswaldo Brandão, já é um dos maiores treinadores da história do clube?
TITE –
Não faço comparações, cada um teve sua etapa, suas características, eu estou no hall daqueles cinco maiores, isso tenho consciência. O simbolismo que tem o campeonato (Paulista) de 77 tem a Libertadores. Com cada um que falo, diz assim: ‘cara, a Libertadores do jeito que foi nos redimiu’. E eu falo: ‘não fui eu, foram os jogadores.’ E eles falam: ‘tu foi o técnico, nossa autoestima foi resgatada.’

ESTADO – Foi mais importante que o Mundial de clubes?
TITE –
Como resgaste de orgulho próprio, sim, o marketing do Mundial foi extraordinário, ecoou mais que a Libertadores, para o Tite mundialmente ecoou mais, mas o valor, o contexto geral, para o torcedor, a Libertadores foi mais importante.

ESTADO – Qual é maior legado do Corinthians de Tite?
TITE –
Vencer de forma leal e competente. Vencer sendo o melhor, competitivamente, tecnicamente, taticamente… Ganhamos a Libertadores e todo mundo dizia: ‘ah, tem malandragem, tem cusparada, tem que ser avião, malandrão, fomos o mais disciplinado e campeão invicto. Pegamos o Emelec, spray de pimenta, expulsão, arbitragem no mínimo tendenciosa, escambau, a equipe matou no peito e superou. Esse é o legado.

ESTADO – Após o anuncio de sua saída do Corinthians, quantas equipes procuraram você?
TITE –
Duas do exterior e cinco do Brasil, e algumas do Brasil repetidas vezes, mas eu não quero falar os nomes.

ESTADO – Do exterior, uma delas é da China, o time do Vagner Love (Shandong Luneng Taishan)?
TITE –
Sim, esse time me procurou pessoalmente, por telefone, sem passar pelo meu empresário, o Gilmar (Veloz).

ESTADO – E o outro clube de fora?
TITE –
Foi o time que o Maradona dirigiu, o Al Wasl, dos Emirados Árabes.

ESTADO – Ainda que esses clubes ofereçam propostas milionárias, vale a pena trabalhar lá?
TITE –
Profissionalmente não busco o lado financeiro, já tenho uma vida, não vou modificar, quero um lugar em que eu esteja feliz e cresça profissionalmente.

ESTADO – Dirigir um clube europeu passa a ser uma opção?
TITE –
São dois pré-requisitos, qualificação profissional e domínio do idioma. Se não tiver, não adianta. Não adianta ir para um clube inglês que vou me ferrar.

ESTADO – O cargo de técnico da seleção brasileira vai ficar livre depois da Copa e você foi um dos cotados antes de o Felipão assumir. Não pensa nisso?
TITE –
Eu penso e mais uns 15 técnicos pensam isso… tenho consciência dos meus passos, sou um dos postulantes por tudo que construí, pelos trabalhos que me credenciam.

ESTADO – 2013 foi um ano ruim para o Corinthians, com problemas extracampo. O quanto isso influenciou no time?
TITE –
Tiveram alguns componentes, jogamos sem torcida… Depois uma porrada de jogos, me perguntaram se tinha vontade de dirigir o time no Itaquerão, isso antes da minha saída, e eu respondi que queria voltar ao Pacaembu, foram muitos jogos fora de casa.

ESTADO – Todos sabem que o Mano Menezes é o novo técnico. Ficaria incomodado se o anúncio fosse feito com você ainda trabalhando?
TITE –
A partir do momento que sentamos, nos reunimos e decidimos (minha saída) é natural (a procura por um novo técnico), antes não, antes disso é deslealdade.

ESTADO – Mas acha que houve contato antes?
TITE –
Não quero julgar, eu fiz o que foi acordado.

Por Cleber Aguiar – Timbre inventivo da seleção renasceu das cinzas com Felipão, diz José Miguel Wisnik

Fonte: Folha de São Paulo

JUCA KFOURI
COLUNISTA DA FOLHA
ESTÊVÃO BERTONI
DE SÃO PAULO

O futebol parecia estar no fim, e a seleção tinha se tornado um espectro de si mesma.

Enquanto escrevia o livro “Veneno Remédio – O Futebol e o Brasil” (Companhia das Letras, 2008), José Miguel Wisnik acreditava estar tratando da “luz de uma estrela extinta”. Sentimento que, segundo o músico, professor de literatura brasileira da USP e torcedor do Santos, não se confirmou.

“O futebol está vivo”, afirma Wisnik hoje. O técnico Luiz Felipe Scolari, com suas qualidades de “animador psicológico”, devolveu à equipe seu “timbre inventivo e surpreendente”, que pôde ser observado na Copa das Confederações.

A conquista do torneio, em 30 de junho deste ano, poderia até ter criado um clima de “já ganhou” para a Copa de 2014. Algo inédito, porém, impediu o oba-oba: os protestos daquele mês. Segundo ele, o futebol catalisou as insatisfações populares.

Wisnik recebeu a Folha em sua casa, em São Paulo, no mês passado, pouco antes do jogo entre Milan e Barcelona pela Liga dos Campeões, e pensou em alterar o horário do encontro para não perder a partida.

Zé Carlos Barretta/Folhapress
José Miguel Wisnick, autor de "Veneno Remédio - O Futebol e o Brasil", durante entrevista
José Miguel Wisnik, autor de “Veneno Remédio – O Futebol e o Brasil”, durante entrevista

Na entrevista abaixo, na qual se emociona ao comentar a cantoria à capela do hino do Brasil durante a Copa das Confederações, ele fala de Neymar, do Barcelona, de Garrincha e de como o futebol é o esporte mais difícil de se encaixar na lógica empresarial.

Ele conseguiu ver depois o jogo, que terminou em 1 a 1, com um gol do ex-santista Robinho.

*

Folha – Por que essa preocupação em ver o jogo entre Milan e Barcelona. Você quer ver o Neymar?
José Miguel Wisnik – Eu tenho uma fixação pelo Neymar. Eu o acompanhei praticamente jogo por jogo, desde o primeiro minuto em que entrou em campo. Sofro de perder um único jogo dele. Quero acompanhar e entender, agora, esse processo de adaptação ao Barcelona.

Você sente saudade dele aqui? Ou o fato de ele estar lá e a gente poder ver todos os jogos resolve isso.
Eu sofro na verdade pelo fato de que se mostra uma partida do Barcelona pelo Campeonato Espanhol numa semana e na outra não. Ou seja, não se pode ver todos os jogos, e eu não entendo bem por que isso (sei por alto que são questões contratuais entre a ESPN e a Sky). Isso vai contra um desejo infantil, em vários sentidos da palavra, ligado à minha vinculação imaginária com o Santos como um clube lançador de grandes atacantes. Não preciso dizer que a relação com o futebol combina algo de adulto com infantil.

Falou-se que o Neymar precisava jogar na Europa para melhorar. Você concorda com isso?
Eu falei algo nessa direção, na minha coluna em “O Globo”, mas não exatamente isso. Acho muito positivo que o Santos tenha interrompido, num certo momento, o processo automático de transferência do jogador para a Europa. Retardou o automatismo da dependência econômica com um lance inesperado de canalização de patrocínios para salários, que reteve o jogador no Brasil por algum tempo (que parece ser também o que ele queria). Ao mesmo tempo, todos os outros jogadores do time que se destacavam minimamente iam sendo vendidos para o exterior, seguindo aquela mesma regra da qual Neymar era a exceção. Sem falar no enigma Ganso, que é um capítulo à parte. A certa altura, o Neymar carregava sozinho o time nas costas, exposto ainda, dada a sua condição solitária e desigual, no futebol brasileiro, ao assédio despropositado de 50 microfones a cada meio tempo da partida contra qualquer que fosse o time, bombardeado por perguntas que queriam transformar qualquer ninharia em assunto. Virou uma situação irreal em que Neymar estava jogando com o nada, com uma falta de estrutura correspondente, num projeto esgotado.

Isso é a demonstração de que, de fato, o Brasil é uma droga?
Droga continua sendo -veneno e remédio- e imagino que é nesse duplo sentido que você esteja falando. Lances de euforia em relação ao Brasil estão fadados a revelar, evidentemente, o seu avesso. Quando se diz que o Brasil é protagonista de uma nova realidade mundial, na ilusão de que passou por cima de seus problemas profundos, alguma coisa virá dizer que não é assim. Quando também se diz que o país não serve para absolutamente nada, que isso aqui não vai a lugar nenhum etc., também alguma coisa do próprio país dirá o contrário. E o futebol é quase o laboratório dessa experiência ambivalente. O lance do Santos em relação ao Neymar, segurando-o por mais tempo, soou como um grito de independência do futebol e de um país com dinheiro circulando, como um índice de pujança e certo descortino econômico. O contexto maior e um pouco de tempo trouxeram à tona as debilidades do projeto. Ele não descrevia uma nova realidade do futebol brasileiro, mas uma ênfase obstinada num jogador, alimentada por publicidade maciça, fazendo com que Neymar tivesse, em campo, que jogar por 11 e, fora dele, por 11 ou 13 marcas de produtos. Nem ele nem ninguém, acho eu, suportavam mais, a certa altura, esses papeis, por menos que se confessasse e por mais que ele quisesse, talvez, permanecer no país. A experiência está mostrando que é importante ele ter uma convivência continuada com o futebol de grandes jogadores e numa realidade que venha a testá-lo sobre vários outros aspectos. Todas essas perguntas que se fazem: “Afinal, qual é o tamanho dele?”, “Ele é tudo isso ou não é?”, ficavam girando um pouco no vago. Para quem gosta de futebol, e nesse caso é impossível não gostar dele, é fascinante a novela da chegada ao Barcelona, e o modo como ele mesmo e as peças do grande time vão se reposicionar ou não no tabuleiro, com esse fato novo.

O Neymar foi jogar na Escócia e foi vaiado, jogou com a seleção na Inglaterra e foi vaiado, é a malandragem brasileira que está sendo vaiada?
Essas vaias combinavam algum racismo (cascas de banana foram atiradas ao campo) com o desejo de reduzir o futebol brasileiro à sua caricatura, num momento frágil dele. Elas contracenam hoje com a dimensão mundial do sucesso de Neymar, que dificulta essa redução. Tem a acusação do “piscinero”. A acusação vem de Madri, por exemplo, onde se reproduz uma acusação que se fazia no Brasil. Mourinho, na Inglaterra, que não tem nada que falar sobre isso, também se manifestou. Como não invejar um jogador que escolheu o Barcelona por convicção futebolística, mesmo diante de propostas em dinheiro maiores? Por outro lado, o futebol, como os demais esportes contemporâneos, é disputado acirradamente no limite físico, no milímetro e no milissegundo. A aceleração da concorrência é fortíssima nessa direção. No futebol, onde o acaso e a interpretação, além de uma grande margem de indeterminação não quantificável, têm um papel muito grande, o atacante driblador e o defensor entram numa zona de fricção cinzenta onde reina a ambiguidade da intenção e do julgamento. No “Bem Amigos”, o Belletti falou que, já na sua fase tardia, marcando o Cristiano Ronaldo, ele ia no carrinho para acertar a bola, mas sabendo que, se não acertasse, já embutia no lance acertar o jogador, ficando tudo por conta das ambiguidades da intenção e da interpretação.

No mesmo carreto…
No mesmo carreto do carrinho já ia a dupla encomenda, a bola e o jogador. Como ex-jogador que virou comentarista, o Belletti pode explicitar o procedimento que acontece no campo a toda hora, do qual os defensores se saem levantando os braços em sinal de isenção, quando não afetando sentimento de injustiça e reclamando ostensivamente. O jogador ao mesmo tempo tenta atingir a bola, mas já vai com todos os recursos para varrer o que tiver pela frente, fora o braço etc.

Se for na bola bem, se não for…
É a maneira de praxe de proceder com jogadores imarcáveis, entre os quais Neymar talvez seja o mais saliente. Objeto desse tipo de ação continuada, ele reage às vezes na mesma moeda, aproveitando a zona cinzenta. Mas recebe muito mais falta do que eventualmente finge.

E não teria razão alguma de ele ficar se jogando se ele pudesse ficar de pé com a bola.
Exatamente. Essas questões se tornam como se fossem a cena contemporânea da questão: existe lugar ou não para o driblador num futebol que se tornou compacto, disputado com força física, atlética, em que o posicionamento coletivo é tudo, e a diferença individual passou a ser como que minimizada? Sobram essas anomalias, que são esses jogadores que têm esse alto poder de inventar e decidir. Isso vai ser ao mesmo tempo admirado e estigmatizado. O Neymar, por todas essas características, tem que atravessar isso. Mas naturalmente ele vai ganhando espaço dentro dessa realidade, e deixando pra trás as críticas mais óbvias.

O livro foi lançado em 2008, vai até a Copa de 2006, valeria um capítulo hoje o 4 a 0 do Barcelona sobre o Santos na final do Mundial de Clubes? O Nuno Ramos escreve que é preciso situar o jogo como um trauma, um antes e um depois.
O Nuno Ramos é meu amigo e santista como eu.

É um exercício de masoquismo.
Ele é mais masoquista do que eu. O que eu acho sim é a questão do lugar que o Barcelona ocupou.

Você acha que o Barcelona valeria?
Sim, com certeza. Para atualizar o livro. No momento da final com o Santos, o Barcelona parecia até ter resolvido a “quadratura do circo” do futebol, que dá nome a um dos capítulos do livro. Se uma das características que distinguem o futebol dos outros esportes modernos é a contingência da posse de bola, em vez da alternância da posse ou do saque, como no basquete, no vôlei e no tênis, na época eu escrevi que o Barcelona tinha reduzido drasticamente essa característica estrutural do próprio jogo, o que chegou ao paroxismo nessa partida com o Santos. Uma distribuição coletiva implacável, em permanente deslocamento, um domínio irritante do passe, uma neutralização instantânea do espaço adversário fazia com que só o time catalão jogasse. No limite, isso parecia não ter mais as propriedades erráticas do futebol, sendo, no entanto, uma extensão paradoxal, às últimas consequências, dos fundamentos do futebol. Como se esse Barcelona de Guardiola desfizesse a oposição entre ataque e defesa, prosa e poesia, futebol europeu e sul-americano. Mas o futebol é apaixonante também porque ninguém toma, assim, o jogo para si, e o momento agora já é outro (Guardiola na Alemanha). A bola gira, o mundo roda.

Essa questão dos donos do campo, eles levaram isso ao máximo? Tem gente que acha chato ver jogo do Barcelona porque só eles jogam.
Exatamente, havia protesto, chegou a ser acusado de futebol totalitário. Tem a questão do dono do campo e dono da bola, que é a imagem do Chico Buarque. O dono do campo é aquele que se organiza no campo de tal modo que ele detém o domínio do jogo, do território. O Barcelona é dono do campo, no sentido que foi revolucionado pela Holanda, que deu uma outra dimensão e de fato transformou o futebol desde então, porque os jogadores não ocupam mais posições tácitas, mas passam a comprimir o espaço e se distribuir de tal modo que no Barcelona sempre que um jogador recebe a bola tem sempre três ou quatro à disposição para receber o passe. Então não é só o que o cara tem o fundamento do passe, mas um time inteiro se movimento o tempo todo para oferecer opções de passe. Isso não é fácil de se conseguir e ali vem de uma escola longamente aprimorada em contato com o futebol holandês, por um lado, mas com o brasileiro também, com o sul-americano também. Com o fato de ter Messi eles combinaram a circularidade do tal tiki-taka com a verticalidade ofensiva.

Zé Carlos Barretta/Folhapress
Wisnik assiste ao clássico entre Milan e Barcelona
Wisnik assiste ao clássico entre Milan e Barcelona

Quando o modelo dá sinais de fadiga material, eles trazem o Neymar para jogar, um outro sul-americano.
O Neymar quis estar lá, quis fazer parte disso. Ele parece bem acompanhado, já a partir do pai, não tem errado nem nas declarações nem nas decisões essenciais. Poderia ter ido por mais dinheiro para o Real Madrid, um time que parece entender o futebol como inseparável de dinheiro (como demonstra aliás a ostensiva operação Bale), e que várias vezes converteu sua pretensão galáctica num cemitério de elefantes. Neymar fez outra aposta, não entrou nessa enrascada, e por isso tudo eu acompanho o desenrolar com o máximo interesse.

Você leu o dossiê de uma aula que o Guardiola deu? É filosofia pura.
Não li. Isso é interessante. Quando eu fui escrever o livro, eu tinha a sensação de que o futebol estivesse acabando. Que houvesse uma coisa de um esgotamento, que, no entanto, não se confirmou. Poderia ser que eu estivesse falando daquele fenômeno de uma luz de uma estrela extinta. Não é, apesar da enorme capitalização. Foi a tese de fundo do livro. O futebol continua sendo, enquanto estrutura de jogo, o esporte com mais variáveis, e mais difícil de reduzir a uma lógica de planejamento empresarial, que, no entanto, vem vindo e comendo por dentro e por fora.

O caráter lúdico prevalece. O Keirrison está rico, mas num esforço tão obsessivo por jogar futebol. Entra em transe e chora, pelo mero prazer de jogar futebol.
Tem uma coisa no futebol que talvez seja, embora moderna, um negócio que não é moderno, que está ligado à festa, ao rito, ao lúdico, a uma certa gratuidade, a um certo espaço de gratuidade que o futebol admite. É mais difícil nos outros jogos. Você tem o duelo de ataque e defesa muito mais cerrado, você vai pontuando e aquilo vai sendo contabilizado. No futebol não é assim. Tem uma gama de acontecimentos dos quais essa lógica não dá conta. A mercantilização absoluta, que está em jogo no mundo, expõe ali suas contradições.

No futebol, hoje, prevalece a prosa, embora, de vez em quando, apareçam jogadores com estilos poéticos, como o Neymar?
Eu acho que existe uma grande pressão para que ele assuma a lógica da prosa.

Na Copa das Confederações, ele fez muita falta, teve de marcar. No Barcelona, o cabelo dele está contido.
No Santos, quando ele virou dono geral, ele podia fazer qualquer coisa, qualquer coisa com o cabelo, qualquer comemoração. Olhando de maneira geral, há uma pressão para que o futebol se torne planejado, racionalizado em campo. Tem todo um princípio de análise de jogo, análise estatística, dietética. Não vou me estender sobre isso agora. Saiu um livro agora sobre números [“Os Números do Jogo – Por que Tudo que Você Sabe de Futebol Está Errado”, de Chris Anderson e David Sally]. Eu li. Aquilo é a expressão sintomática de uma mentalidade: traduzir o futebol em números. O futebol não era o que você pensava, era uma outra coisa. Aí ele apresenta as estatísticas e acha que é por aí que vai o futebol. Que as crianças vão assistir jogos já com tabelas estatísticas. E isso é um sintoma de época forte. É uma das lógicas do futebol. Lá, [no meu livro] tem quatro lógicas, uma é a otimização do rendimento, que é aquela que rege o mundo que você vê à sua volta. Um complexo empresarial, midiático publicitário, todo voltado para a otimização do rendimento. Essa lógica é muito dominante. E ela pretende ir ganhando espaço e tal. E eu me divirto com o fato de que, no futebol, ela dança tantas vezes. Embora, claro que isso tenha transformado o futebol em ocupação de espaço, de território, esse negócio dos donos do campo, preparo físico, e análises estatísticas, todas essas coisas que transformaram a face do futebol. Agora, tem um fator que no livro não entra. Ele faz tabelas estatísticas de acontecimentos e acasos, mas só enquanto tabela estatística, enquanto número, mas não como o jogador como produtor do acaso, da diferença, do elemento imprevisível. Isso não existe naquela lógica, simplesmente não existe. Isso de fato são formas mentais que estão em jogo. O Neymar representa uma coisa no Brasil atual no qual existe, ainda, e não só ainda no sentido nostálgico, existe de fato essa cultura, essa forma mental, essa cabeça incorporada no corpo, inseparável dele. Isso é bacana e ao mesmo tempo também não é aquilo que se diz do Garrincha, não é um jogador que não é capaz de se adaptar ao futebol europeu, porque é um individualista estéril, e todo esse papo, isso não funciona para o Neymar. Isso é interessante. E o Messi também, é um jogador capaz dos mais espantosos gols e de jogadas totalmente imprevisíveis, um futebol de poesia e é o maior jogador do mundo, jogando num time no qual essa oposição prosa e poesia parece ter sido superada dialeticamente.

Que expectativa você tem em relação à atuação do Brasil na Copa do Mundo?
Até antes da Copa das Confederações eu tinha uma expectativa péssima. O futebol brasileiro tinha se transformado num espectro de si mesmo, uma coisa que você não reconhecia mais sob nenhum aspecto. Eu achei também que o Felipão não era a figura capaz de reverter esse quadro. E, nesse momento, eu sou obrigado a dizer que as qualidades do Felipão como animador psicológico da equipe, que cria um sentimento de identificação coletiva, juntaram-se com uma capacidade de resposta ao estado do futebol contemporâneo, combinando marcação determinada com algo da volúpia contra-atacante do futebol alemão recente, com a própria troca de passes espanhola (sem a retentividade tediosa com que às vezes se procurou manter o domínio de bola, como no estilo Parreira quando solo) e com algo que, renascido das cinzas, é o timbre inventivo, surpreendente e inconfundível do futebol brasileiro. Para provar, no entanto, que continua ele mesmo, Felipão saiu-se com o discurso patrioteiro sobre a opção de Diego Costa pela seleção da Espanha. A verdade é que, embora o futebol se mantenha como um dos poucos lugares em que a identificação nacional ainda faz sentido no mundo globalizado, ela foi amplamente relativizada pela realidade, e muitos desses jogadores circulando pelo mercado mundial se tornaram híbridos afetivos, linguísticos, identitários.

Mas você mudou de ideia a partir da Copa das Confederações?
É de ideia, de sentimento.

No seu livro, você fala muito do episódio das “Touradas em Madri”, da Copa de 1950, em que se achava, depois da vitória em cima da Espanha, que já se tinha ganhado a Copa. Não seria uma nova “Touradas em Madri”, de achar que ganhou a Copa das Confederações e se acabaram os problemas?
Não serei eu que terei essa atitude. Detesto “já ganhou” em qualquer plano da vida, e acho que a seleção brasileira, mais do que ganhar, tem que ser digna de si mesma (o que ela não foi nas duas últimas Copas). Antes da Copa de 2006, por exemplo, me incomodava profundamente o autêntico clima de “Touradas em Madri” que se instaurou em torno da seleção que tinha Ronaldinho Gaúcho, Kaká, Robinho, Adriano, Ronaldo. O oba-oba generalizado, a espetacularização midiática dos treinos, a propaganda da Ambev, patrocinador oficial, que apresentava os craques descendo de uma espécie de caminhão-espaçonave para o campo enquanto os adversários entravam ao rés do chão, tudo era um verdadeiro revival, em clima de euforização publicitária, dos dias que antecederam a final de 1950. O complexo de vira-latas revirado em apoteose da mercadoria. No momento atual a instauração pura e simples desse clima ideológico-publicitário tornou-se difícil, e justamente por mérito da coisa forte que começou a acontecer no Brasil junto com a Copa das Confederações. Se sempre se disse que o brasileiro é incapaz de se mobilizar para problemas reais porque vive voltado para o lúdico, para o futebol, para a festa, o Carnaval, a música etc., os impressionantes movimentos desencadeados em junho, para surpresa geral, aconteceram sintomaticamente, e não por acaso, com o advento da Copa das Confederações tendo a Copa do Mundo no horizonte, num efeito paradoxal da droga-Brasil. Como se toda essa mobilização só pudesse acontecer, ainda assim, por um efeito de prova e contraprova do veneno-remédio do futebol, que agiu como um catalisador para que uma demanda localizada como o passe livre se irradiasse em escala nacional.

Não simplificamos essa questão ao nos esquecermos que, na história recente do Brasil, milhões foram às ruas pelas Diretas e pelo impeachment? Em que país que, em 30 anos, aconteceram tantas coisas deste porte?
É verdade. Não é agora. Agora talvez a surpresa e o desconcerto sejam que esses movimentos se deram fora de qualquer quadro afirmativo de identificação partidária e com lideranças marcadas. O movimento das Diretas Já era um movimento suprapartidário, parecido com o da música do Chico Buarque, “À Flor da Terra – O que Será que Será”, mas tinha suas figuras reconhecíveis e todo ele apontava para alguma coisa que diz respeito à ordem do Estado e da sucessão de poderes, as Diretas e a saída da ditadura. Enquanto que, agora, para o bem ou para o mal, é difícil decodificar como é que a sociedade está representada nos movimentos, porque há justamente uma espécie de crise das representações. Talvez fosse difícil que os acontecimentos se precipitassem e ganhassem essa extensão se o futebol não oferecesse, com a sua onipresença e o seu apelo, o quadro de referência para a reverberação dos protestos, se o país não estivesse posto no palco da Copa das Confederações na iminência de uma Copa do Mundo

Sob os ditames do padrão Fifa…
Exatamente, onde os estádios e a Fifa passaram a ser uma alegoria do sistema político como um todo, com os seus acertos de interesses. A exigência de extensão do padrão Fifa para o funcionamento da educação e da saúde no país, por sua vez, foi um achado.

E você vincula isso também à comoção que foram todos os momentos das cantorias à capela do hino do Brasil.
Curiosamente, o Hino Nacional foi cantado como eu nunca vi durante a ditadura, inclusive porque a ditadura se apropriava do hino e o hino era a ditadura. Mas em junho o hino foi cantado nas manifestações e nos estádios, que se colocaram como espaços opostos, ou seja, o hino foi de algum modo a própria droga-Brasil, a essência do veneno-remédio. O fenômeno futebolístico dava margem a que se rejeitasse o país que se apresenta e ao mesmo tempo se afirmasse o país, algum país, de um modo complexo a ser analisado.

Significa dizer que, para você, ao contrário de boa parte ou alguma parte dos manifestantes da rua, quem estava no estádio não era alienado, apenas estava se manifestando de outra maneira.
O livro recusa a separação nítida entre futebol como alienação e a consciência política como estando fora. Quem está ligado ao jogo de uma maneira quase infantil como nós (e como eu que preciso daqui a pouco ver o jogo) não está por causa disso ausente ou desatento à política.

Só tinha visto alguma coisa parecida na final da Copa do Mundo de 1998 quando acabou a Marselhesa.
Isso aqui não vou dizer e não vai aparecer na entrevista, isso aqui não é gravável [aponta para o braço, arrepiado].

Assim como em 1970 não se conseguiu torcer contra a seleção com o objetivo de torcer contra a ditadura, hoje também não se consegue torcer contra o país?
Há quem consiga, mas essa separação entre quem está ali voltado para o futebol esquecendo os movimentos que estão lá fora não é clara. Mas é preciso colocar também na conta a mudança da composição social dos estádios, promovida pelo padrão Fifa, e a desativação do estádio caldeirão social em nome das comodidades do estádio de consumo, incluindo o consumo de luxo.

Antes da Copa das Confederações, o Brasil estava na crista da onda, e a seleção brasileira, no fundo do poço. Depois do torneio, o Brasil estava aparentemente no fundo do poço, e o nosso futebol voltou a ser o que era.
Essa inversão simétrica é quase uma figura literária barroca, uma espécie de xis da questão recorrente: onde você pensa que respondeu de uma maneira positiva ou negativa, o processo brasileiro parece expor o avesso daquilo que estava aparentemente posto. O futebol tem sido um dos lugares onde isso se dá, talvez o mais visível, não necessariamente o mais inteligível. Essa síndrome pendular pode ser apontada como um eterno retorno ao ponto de não avanço (nunca saímos do mesmo lugar), ou como um modo singular de ir avançando. Como se vê, a ambivalência recomeça, mas ela vai passar por provas mais decisivas durante a realização da Copa do Mundo no Brasil, onde se juntam finalmente dois fios desencapados: a tradicional identificação brasileira com o lúdico, com a decorrente inconsequência, e as aberrações da sua conformação política ao longo da história, com suas consequências recorrentes. Insisto: é o futebol que é o mote, se não o motivo, desse confronto do país consigo mesmo. Não torço para que o rastilho dos movimentos de rua mele a Copa do Mundo. Se é para expressar um desejo, o meu é o de uma inédita ultrapassagem da eterna ambivalência brasileira entre a luta e a festa, a panaceia e o remédio amargo, num campo em que a negatividade e a positividade não se anulem. Mas isso não acontecerá sem grandes mudanças.

Como você vê o movimento Bom Senso F.C., que aparentemente é resultado das manifestações de julho.
Não sei se me vejo capaz de analisar isso. Mas tem uma passagem no livro que fala disso, que o futebol, como a festa, deixaram de pertencer ao ciclo tradicional do trabalho e do descanso para entrar no binômio frenético do labor e do lazer. O labor (o conceito é de Hanna Arendt) é na verdade essa atividade que não para, que não produz obra, como se fosse o próprio organismo se realimentando sem parar e dejetando tudo que usa. Você tem jogo terça-feira, quarta-feira, quinta-feira, sexta-feira, sábado e domingo. Segunda-feira, que eu saiba, é o único dia que não tem jogo, mas todos os times são colocados para moer nesse calendário que obedece a uma lógica produtiva pelo avesso, em que o lazer é o labor permanente do consumo do entretenimento. O jogador é consumido nesse processo, e a gente tem visto aqueles que passam rapidamente da grande fase para a crise física ou psicológica, o que não deixa de ser um sintoma do ritmo do futebol atual. Kaká, Ronaldo, Ronaldo Gaúcho… e o próprio Messi agora dá sinais disso. Então, que haja um movimento de jogadores para colocar limite a essa estrutura futebolístico-midiática desmedida é um acontecimento positivo, um sinal a mais dos movimentos que vêm acontecendo no Brasil, nesse período, contra estruturas viciadas e inamovíveis.

Mané Garrincha faria 80 anos no dia 28 de outubro. Ele jogaria futebol hoje ao lado do Neymar?
Alguma dúvida? A tal história: Garrincha não era um mero driblador compulsivo, não era nenhuma enceradeira, não estava ali girando em falso nem fazendo mero brilhareco com aqueles negaceios. Aliás, é uma pena que, de toda a documentação do Garrincha anterior a 1962, só sobraram alguns tiques de dribles. Dá uma bola de calcanhar e não sei mais o quê. Isso é realmente uma pena. Há pouco tempo vi a partida completa Brasil x Suécia, a final de 1958, que estava na internet, e não sei porque não temos amplo acesso a esse registro que faz parte da memória nacional. A gente é obrigado a ver sempre o mesmo retalho de lance, o Garrincha chega, dribla, vai à linha de fundo, centra para Vavá, aí de novo parece o mesmo lance mas já é o segundo gol, e a gente não conhece a textura do jogo, não sabe como se construiu a jogada, e como se comportavam Didi, Zito, o jovem Pelé e Garrincha durante o todo da partida. Isso é uma mutilação da memória do sentido no futebol. É interessante ver como Garrincha também perdia muitas vezes a bola. Ele era, como todo driblador, alguém que está arriscando. Imagina-se que ele sempre driblava e que ele não driblaria mais porque não deixariam.

E driblador por driblador o Messi também é.
O Messi sim, o Messi, além de ser um driblador, o estágio atual dele é de alguma coisa conquistada, como domínio de si, do campo, do mundo do futebol. Mas o Messi perdeu muita bola durante esse tempo em que ele chegou a conquistar esse estilo. Mas, voltando à pergunta, não faz sentido achar que, pelo fato de que um jogador faz parte da história e que os jogos de que ele participou são datados, ele mesmo, enquanto virtualidade comparativa, é anacrônico e datado.

No seu livro, você chama o Garrincha de Macunaíma. Quem é mais “macunaímico”: ele ou o Lula?
O Lula é muito “macunaímico”, mas um Macunaíma com objetivos definidos, o que já é outra história. Macunaíma deve ser entendido na passagem em que, acordando-se para as consequências da industrialização em curso, depara-se melancolicamente com o mundo pré-industrial que vai se perder. É um transe da modernização brasileira, do qual Garrincha é um avatar esplêndido e trágico, e em que o trabalhador tem ainda um espaço de manobra facilitado pelo futebol, que lhe abre os caminhos do ócio. Macunaíma é versátil, adaptável, criativo, sedutor, mas não sustenta projeto, tem imensas oportunidades e desperdiça todas, é inconsequente e irresponsável. Agora nós estamos fases adiante, onde permanece muito dessa cultura, mas num contexto amplamente industrializado. Macunaíma não responde pelo que fez, só que fez. Fez o que…

O que tinha que fazer?
O Lula é sujeito de um projeto. Um metalúrgico que se torna um líder operário que participa da fundação de um partido e se torna presidente do Brasil. Tinha tudo para ser um fracasso, pensando na distância entre as pontas do percurso. O fato de ele atravessar todas essas instâncias, controlando o jogo da realidade política, mostra que o que há de Macunaíma nele não tem essa parte, a da não sustentação de projeto. Lula é própria expressão do Brasil industrializado, do qual Macunaíma é ainda o avesso e o susto. Porque o Macunaíma é o dilema da modernização brasileira, do qual vivemos a cada vez um novo capítulo. Àquela altura, para o Mário de Andrade, em 1928, era o dilema entre a originalidade ancestral do Brasil e o que vai se perder com a industrialização. “Se o Brasil se moderniza deixa de ser Brasil, se o Brasil permanece Brasil, não se moderniza”, como disse Fernando Novaes de “Raízes do Brasil”, de Sérgio Buarque de Holanda. Macunaíma é de certo modo esse impasse, como se nele não se resolvesse a questão, e como se esse traço de irresolução permanecesse sempre atual. Nesse sentido, Garrincha é bem a representação disso: a modernidade da seleção de 1958, contemporânea de Brasília, combinada com um mundo da gratuidade em estado puro. É tocante e patético o fato de ele não se submeter à lógica do contrato, ao funcionamento da lógica burguesa. Nilton Santos tinha que apadrinhá-lo e cuidar dele, porque ele não queria e não sabia negociar – não tinha por negócio o mesmo tesão que tinha pelas caçadas, pescarias, passarinhos, futebol e sexo, em suma, pelo ócio. Eu acho que está em Garrincha a manifestação ao mesmo tempo carnavalesca, esplendorosa e trágica de um mundo onde o trabalhador de uma indústria incipiente garante para si uma contraparte de ócio, facilitada justamente pelo futebol, ao qual dá dimensão de arte. No país urbanizado e mercantilizado de hoje, onde aqueles espaços idílicos, como o da praia em Caymmi, parecem não existir mais, chama a atenção que ainda haja a expressão de um certo culto da gratuidade combinada com eficiência, em campo, que essa tradição ainda fale, e da qual Neymar, tecnologia de ponta do ócio em um mundo pós-industrial, apareça, talvez por isso mesmo, como um caso-limite.

Mas mesmo no Mané, não tem uma contradição nisso que você está dizendo, quando a gente pensa 1962?
Sim, você se refere ao fato de ele mostrar-se capaz de, na ausência de Pelé, sair da ponta direita, comandar o time, bater falta, fazer gol de cabeça, lançamento, evidenciando que o extrema driblador e “dono da bola” é também “dono do campo”, senhor dos espaços, que a “lógica da diferença” do gerador de imprevistos não abole a “lógica dialética” da visão do jogo, que Macunaíma é capaz de ser não só camisa 7 ou 11, mas também uma espécie de camisa 10. A lenda diz, no entanto, que ele fez tudo isso por causa de Elza Soares e para Elza Soares, a Macunaíma do samba. A lenda quer que Macunaíma não deixe de ser Macunaíma.