Por Rogerinho – Até Professor Pascale fala de Rogério Ceni !

Fonte: Folha de São Paulo
PASQUALE CIPRO NETO

Rogério Ceni, os cardinais e os ordinais

Alguns jornalistas trocaram “centésimo gol” pela rebarbativa expressão “gol de número 100”

E VIVA ROGÉRIO CENI!!! Viva! Como se diz no Nordeste, o cabra é muito bom -e bota bom nisso!
Há um bom tempo, tive o prazer de entrevistá-lo no “Nossa Língua Portuguesa”, da TV Cultura. No programa do qual Ceni participou, queríamos demonstrar que é possível sair da obviedade que vige na linguagem de certos segmentos -o futebol é, de longe, um dos campeões desses tais segmentos.
Em tempo: não são apenas os jogadores e técnicos que dizem sempre a mesma coisa e sempre do mesmo jeito; muitos dos jornalistas esportivos usam e abusam do direito da repetição do mais do que óbvio (exceções há, é claro, e não são poucas -não vou dar nome aos bois para não magoar ninguém).
Bem, acho que vou dar, sim, um nome das exceções (a maior delas, para mim): o querido Eduardo Gonçalves Andrade, digo, o genial Tostão, com quem tive a honra de trabalhar na África do Sul. Os textos de Tostão são belíssimos exemplos de que se pode fugir da mesmice.
Mas voltemos ao grande goleiro-artilheiro e ao motivo que me levou a convidá-lo para o “Nossa Língua Portuguesa”, há mais de dez anos: ainda “novinho”, Rogério Ceni não dizia obviedades, não fugia da raia, era esclarecido e, sobretudo, era articulado e se expressava muito bem. De lá para cá, tudo nele evoluiu (com exceção do cabelo…).
Quem nos dera tivéssemos um Rogério Ceni em cada atividade em que o discurso predominante é o óbvio do óbvio (o telemarketing, o teleatendimento, as polícias, a política, a administração pública, certos setores do meio “acadêmico” etc.).
Pois bem. O (belíssimo) centésimo gol de Rogério fez muita gente tropeçar nos números, ou melhor, na forma de dizer os números. Na TV, no rádio e em alguns jornais/sites, a informação foi dada de um jeito tal que… Que, tomados ao pé da letra, esses textos informavam que os 99 gols anteriores de Rogério tinham sido marcados (todos) contra o Corinthians. Exemplo: “O centésimo gol de Rogério contra o Corinthians deixou em estado de graça a torcida do Tricolor” é diferente de “O centésimo gol de Rogério, contra o Corinthians, deixou em estado…”.
Em outras matérias (ditas ou escritas), jornalistas trocaram o ordinal (“centésimo”) pela rebarbativa expressão “de número 100” (“O gol de número 100 de Rogério Ceni…”).
Sabemos todos que muitos ordinais não frequentam o nosso dia a dia. O caro leitor já deve ter presenciado uma cena comum em elevadores de edifícios comerciais em que há um ascensorista: a primeira pessoa que entra diz “Quarto”; a segunda, “Segundo”; a terceira, “Sexto”; a quarta, “23”… É fato mais do que cabal que, quando o número é alto, o falante tende a trocar o ordinal pelo cardinal, mas, cá entre nós, no caso da centena, a forma ordinal não causa estranheza, não acha?
Um belo exemplo da “fuga” dos ordinais se vê no noticiário policial, sobretudo no rádio: “A ocorrência foi registrada no oitenta e oito DP”. Aqui a fuga do ordinal impõe a forma rebarbativa (“…ao DP de número 88”). Quem quiser dizer exatamente o que está escrito na fachada do distrito (88º Distrito Policial) deve saber que o ordinal relativo a 80 é “octogésimo” (e não “octagésimo”). Moral da história: “…foi registrada no octogésimo oitavo DP”.
Bem, se o caro Rogério Ceni tivesse tempo para chegar ao gol de número 200, teríamos de aprender que o ordinal correspondente é “ducentésimo”. Que tal, Ceni? É isso.

inculta@uol.com.br

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